sábado, 20 de agosto de 2016

Campo da Educação Somática e Hatha Yoga – Diálogos experimentados - Parte 3

Educação Somática e Hatha Yoga – articulações e adaptações 

“Sentemos todos no chão com as pernas cruzadas tocando os ísquios (esses ossinhos do bumbum) no chão”. Esta seria uma primeira orientação para um público jovem, saudável, e não-cego, mas para os participantes do projeto essa orientação deve ser: “Sentemos como for possível. Encostem-se na parede caso sintam necessidade. Sentem em uma cadeira caso não consigam, no dia de hoje, sentar no chão; Abram bem o peito. Deixem a coluna o mais retinha possível, e o pescoço seguindo alinhamento da coluna”. O que acontece: a coluna não consegue ficar reta, o pescoço tampouco (pois entre as pessoas cegas, muitas vezes, os ouvidos são os olhos, então para estimular o ouvido levam junto o pescoço na lateral, criando um vício corporal que, ao longo dos anos, tende a desestruturar a própria concepção sobre o que é ter o pescoço seguindo o alinhamento da coluna). Da mesma forma, o que são os ísquios? Flagrei um aluno com a mão no quadril enquanto orientava para que sentissem os ossinhos lá embaixo do bumbum perto da virilha. Não, ele não queria tocar em si. E eis mais um desafio - para mim e para eles.

Campo da Educação Somática e Hatha Yoga – Diálogos experimentados - Parte 2





Corpo na contemporaneidade, ou "Quem está realmente vivo, hoje?" Participam do projeto de Yoga com pessoas cegas e com baixa visão, quatro mulheres e um homem, todos na faixa etária de 50 a 75 anos (*agora em outubro são nove - seis mulheres e três homens). Por já serem adultos idosos (ou quase idosos), e também sedentários, seus corpos têm demandado adaptações constantes que, no caso, devem acontecer para além dos cuidados que normalmente já seriam tomados pelos limites que a falta da visão impõe. Apenas um dos homens é cego desde o nascimento, as demais perderam a visão gradativamente, e uma delas tem baixa visão. Além da idade avançada e sedentarismo, entre os seus relatos estão as seguintes doenças e inscrições médicas: pressão alta, glaucoma, câncer controlado, ansiedade, estresse, síndrome de pânico, diabetes, asma, cirurgias e transplantes, ou seja, um grande desafio para mim e para eles.
Nenhum deles, ao longo de suas vidas, realizou atividades físicas, e apenas uma das mulheres já havia praticado Yoga, mas desistiu porque estava perdendo a visão e sentiu vergonha dos erros que estava cometendo enquanto tentava realizar as Âsanas. São histórias assim, de corpos com pouca ou nenhuma consciência de suas infinitas possibilidades, rígidos pelas inconstâncias do espaço urbano, dos conservadorismos morais e pelo imobilismo próprio aos corpos contemporâneos que, pouco e pouco, são desveladas pela desconstrução dos valores pela mobilização sutil de cada pequena parte de seus corpos, dos seus “sentires” de suas subjetividades. 
Os valores normatizantes que pouco e pouco engessam e adoecem os corpos são a expressão genuína do poder sobre o corpo, como nos diz Peter Pál:
...o poder tomou de assalto a vida. Isto é, o poder penetrou todas as esferas da existência, e as mobilizou inteiramente, e as pôs para trabalhar. Desde os genes, o corpo, a afetividade, o psiquismo, até a inteligência, a imaginação, a criatividade. Tudo isso foi violado, invadido, colonizado; quando não diretamente expropriado pelos poderes. Mas o que são os poderes? Digamos, para ir rápido, com todos os riscos de simplificação: as ciências, o capital, o Estado, a mídia etc. Os mecanismos diversos pelos quais se exercem esses poderes são anônimos, esparramados, flexíveis (PELBART, 2007, p.57)

É pela possibilidade de construir um corpo novo que reage ao poder institucional ou capitalizado pela sobrevida que tanto o Hatha Yoga, quanto o campo de Educação Somática, se justificam. 
“A construção do corpo novo está vinculada à iniciação, o novo ‘nascimento’ do praticante. Constrói-se o corpo novo para perder a identificação com o ‘antigo’, vinculado a couraças de tensão muscular, saskãras e latências mentais. O Haţha Yoga quer dar um corpo novo ao praticante que ele mesmo irá construir, célula por célula, fibra por fibra. Usando esse novo corpo como instrumento, ele poderá avançar a passos largos em direção à meta do Yoga. O único que se precisa ter é muita disposição e força de vontade”. (KUPFER, 2009, p. 48)

“(...) a Educação Somática se coloca como uma via de descondicionamento: dispõem de uma vasta gama de estratégias pedagógicas para levar os alunos a ampliarem sua noção de corpo, refletindo sobre aquilo que chamam “meu corpo” como sendo muitas vezes uma entidade (de) formada por valores socioculturais. Os diferentes métodos de educação somática orientam a pessoa em um processo de empoderamento que passa pelo sentir o próprio corpo, negociando tempos e espaços”. (BOLSANELLO, 2012, p 3)

Como pode ser observado acima, em ambas linguagens, o parti pris é o corpo biológico, o corpo que o biopoder contemporâneo, segundo Agamben, reduz a vida à sobrevida biológica. 
“A sobrevida é a vida humana reduzida ao seu mínimo biológico, é a vida sem forma, reduzida ao mero fato biológico. É o que Agamben chama de vida nua”. Ainda de acordo com Peter Pál Pelbart, seria preciso retomar o corpo naquilo que lhe é mais próprio, na sua dor, no encontro com a exterioridade, na sua condição de corpo afetado pelas forças do mundo e capaz de ser afetado por elas. Seria preciso retomar o corpo na sua afectibilidade, no seu poder de ser afetado e de afetar

Tem sido com essa ideia em mente que tapetes, bloquinhos, faixas, bolinhas e o toque em si têm subsidiado essa retomada do corpo. Através da propriocepção pelo toque do corpo com as próprias mãos, por exemplo, uma participante redescobriu a cicatriz de uma cirurgia para retirada de um nódulo de câncer realizado há mais de 10 anos. Ela disse que tinha quebrado um tabu em relação a si mesma. Foi ali que percebi que estava no caminho certo. Seria necessário explorar esse toque o quanto fosse possível para chegarmos aos Âsanas propriamente ditos que, de algum modo, já requerem algum grau de consciência sobre o corpo. Provavelmente eu poderia receber críticas neste ponto, mas digo isto porque, entre os exercícios pensados e realizados com participantes, estão aqueles do Pavanamuktasana, que são muito suaves e indicados, entre outras coisas, para processos reumáticos, períodos pós-operatórios, para gestantes e idosos. A questão é que, mesmo o Pavanamuktasana, para o perfil dos/as participantes supracitado, já parece algo que demanda um momento anterior, e isso dá, certamente, por ocasião do limite da falta de visão, e é aqui que entra a educação somática em diálogo com o Yoga.


Campo da Educação Somática e Hatha Yoga – Diálogos experimentados - Parte 1


   





Este post que está dividido em três partes, trata-se na verdade de um artigo escrito para o V Congresso Internacional SESC de Arte/Educação que analisa as articulações entre os fundamentos da Hatha Yoga e o campo da Educação somática. O foco estará nas intersecções entre as referidas práticas que têm colaborado com o desenvolvimento do Projeto de yoga com pessoas cegas e com baixa visão realizado com o apoio da Escola Especial Instituto de Cegos, em Recife, Nordeste do Brasil. O projeto foi iniciado em abril do corrente ano e hoje conta com cinco participantes regulares (*atualizando: agora em outubro temos nove participantes). É sobre essa experiência, e a partir dos diferentes métodos em educação somática aplicados, tais como eutonia, interpretação do mapa gestual, ambitato, variação de circuito, automicromobilização e modulação respiratória, entre outras, de que fala o artigo.  O projeto foi idealizado por mim por ocasião de um problema pessoal de perda de córnea e tem por objetivo levar às pessoas os ensinamentos do yoga que, mais do que relativos apenas aos exercícios físicos, dizem respeito ao caminho rumo ao autoconhecimento por meio da consciência corporal e respiração consciente, elementos estes que são fundantes no campo da educação somática. 
Apenas a título de introdução, neste espaço que está reservado à arte e à educação, exponho aqui algumas ideias em torno do Yoga que significa união, mas também trabalho, aplicação, controle da mente e dos sentidos, transcendência do ego, ou caminho rumo ao autoconhecimento. Significa ainda liberdade, pois cultiva o discernimento como meio para destruir a ignorância. Por fim, Yoga não é a prática, mas o estado de consciência em que se entra quando são aplicadas as técnicas de respiração e as posturas (ou âsanas). 
O Hatha Yoga é um método de Yoga Tântrico que tem por fundamento o despertar por meio do esforço extremo, seja do ponto de vista físico, seja do ponto de vista mental. Tem entre seus principais fundamentos, a prática de âsanas (ou posturas confortáveis), prãņãyãma (ou controle da respiração) e também as purificações (şaţkarma, trãtaka, kapãlabhti, nauli, neti, dhauti e vasti).
Para o presente exercício dissertativo nos interessam todos os elementos do Hatha Yoga, isto porque na interlocução entre yoga e dança, todos/as estão presentes. As âsanas, por exemplo, despertam a estrutura biológica por meio de exercícios físicos; o prãņãyãma propicia mediante exercícios respiratórios contínuos, o controle do movimento da mente (FEUERSTEIN, 2005, p.180), e as purificações se assemelham àquilo que Artaud chama um corpo sem órgãos, isto porque os órgãos acumulam toxinas e aprisionam o corpo, e as purificações são a base para que se possamos nos desfazer de tudo que nos aprisiona.  
Toda a tematização do corpo sem órgãos é uma variação em torno deste tema biopolítico por excelência. A vida se desfazendo de tudo aquilo que a aprisiona. E o que a aprisiona, dentre outras coisas, é o que Artaud, na sua loucura, conseguiu formular; o que nos aprisiona é também o organismo, os órgãos. (PELBART, 2007, p. 64)

Sobre o projeto de yoga com pessoas cegas

O projeto foi iniciado em abril de 2016, e hoje conta com cinco participantes regulares. É um projeto muito recente, em pleno processo de experimentação, e o relato etnográfico a seguir é resultado das observações realizadas ao longo dos encontros. Para que cheguemos ao relato propriamente dito, e para uma melhor compreensão do processo, faz-se necessária uma breve consideração do meu encontro com um instrutor de yoga e uma bailarina, ambos cegos, e que se tornaram referências na prática de investigação corporal. Além disso influenciaram nas ideias que tornaram possíveis as adaptações e consequente subsídios para superação das dificuldades que certamente surgiriam ao longo do caminho. 
Figue Diel, professor de Yoga e surfista – Eu conheci Figue em Mariscal - SC, “terra” de surfistas de águas geladas. Ele era uma promessa do surf aos 16 anos, mas sofreu um grave acidente de carro e ficou cego. Esteve depressivo ao longo de 10 anos, e aos 26 anos (acho que essa é a história) se lançou na vida realizando, como eu, um curso de yoga.  Figue nos dias de hoje, além de surfista, é instrutor de yoga, e ele foi um dos professores que fizeram parte da minha formação a partir do curso livre para Formação de Instrutores/as de Yoga do professor Pedro Kupfer. A presença de Figue é digna de registro pois, há seis anos aproximadamente, realizo acompanhamentos periódicos da córnea, esta que é bem acabadinha como a de uma velhinha de 60 anos (segundo o oftalmo). Saramago, em “Ensaio sobre a cegueira”, fala do choque das pessoas quando estas constatam que estão cegas: “estou cego!”. Também assim é o choque quando a cegueira constatada é aquela que, em nada, tem a ver com o lado sensual da visão. Assim tem sido comigo desde o encontro com Figue, desde o encontro com Jô e com todas as pessoas cegas que tenho encontrado enquanto (re) conheço cegueiras de toda ordem em mim e no mundo. Jô, a bailarina – Ela faz parte do grupo Giradança, do Rio Grande do Norte - RN.   Foi com ela que aprendi (ainda mais do que a partir do Hatha yoga), que respiração é tudo. “Respira, gente! Respira!”, e assim, sentindo a respiração, Jô corre e dança em velocidade sem esbarrar em ninguém, como quem vê além do que está dado, além do corpo, simplesmente além. Ela ficou cega aos 23 anos. Perguntei-lhe como era sua vida antes de ficar cega e ela disse: “…mulher, eu não era gente”. Aquilo ficou muito marcado em minha memória, pois ela definitivamente havia refeito sua vida no sentido da liberdade após ter perdido o sentido da visão. Aguçara de modo complexo e, por vezes, perturbador, todos os outros sentidos em meio ao processo da dança, colocando em xeque a percepção das pessoas que, em tese, enxergam. A verdade é que somos muitíssimos limitados, e aqui não cabem metáforas, afinal, como disse Saramago, “só num mundo de cegos as coisas serão o que verdadeiramente são”. Acho que é bem por aí…
Tive a oportunidade de conhecer e compartilhar pelo menos dois dias ao lado de Jô graças ao Multiplicando Olhares, projeto de dança com pessoas cegas, do Coletivo Lugar Comum, que a trouxe do Rio Grande do Norte para nos ensinar a enxergar melhor o mundo na medida em que mergulhamos em nossas próprias cegueiras.  A partir do referido projeto aprendi que, para além das dificuldades, há sim muita liberdade entre pessoas cegas e com baixa visão. Entre as dificuldades, eu percebi, por exemplo, que se há um mundo machista para as meninas/moças que veem, esse mundo é ainda mais castrador quando as meninas/moças são cegas, isto porque a possibilidade da liberdade é inversamente proporcional ao conservadorismo de suas famílias (principalmente se têm preceitos religiosos fundamentalistas) de quem, com grande recorrência, dependem, quer seja para ter permissão para fazer algo, ou para “simplesmente” se locomover. No caso de Jô (que também relatou os “receios” de sua família), por já ser uma adulta ela assumiu a responsabilidade e as consequências sobre suas escolhas num contexto em que sair sozinha, e à noite, seja para um curso de dança, ou qualquer outro lugar, tem sido perigoso para qualquer mulher nesse país cujo feminicídio alcança números assustadores. 
A (não) acessibilidade é outro grande problema, seja no que diz respeito às calçadas, seja no que diz respeito aos transportes públicos. Estes são, com certeza, grandes problemas que limitam a vida de quem se lança na superação de outros limites, inclusive existenciais. Apesar deles, hoje sei que cegos/as têm facebook (e a tecnologia da “fala” tem sido maravilhosa e útil nesse sentido), cegos/as jogam futebol de salão, cegos/as dançam MUITO, cegos/as são namoradores/as, vaidosos/as, enfim, pessoas cegas são pessoas tais como aquelas que veem. O que as diferenciam é que elas precisam de um pouco mais daquilo que temos, mas também precisamos (e muito): respiração para que seus ouvidos sejam seus olhos, toques/tato/afeto para entender com as mãos o que seus olhos não alcançam, discernimento, pois nesse mundo de visionários a cegueira é coletiva, ou seja, o que as pessoas cegas precisam é o que todos/as nós precisamos quando da resistência à vida nua: respiração, autoconhecimento, afeto e sabedoria. 
Figue e Jô apontaram os caminhos dessa resistência que pula sobre a própria sombra pela consciência fina, finíssima, do próprio corpo.


Yoga para Crianças




Yoga para crianças é um tema que vem me encantando cada vez mais. Penso que atividades físicas na infância são tão essenciais quanto amigos, brincadeiras, espaços para correr, árvores para subir e cuidados da família. Atividades coletivas, acho eu, são ainda mais apropriadas, principalmente nos dias de hoje em que o individualismo é a ordem do dia. Em que pese que temos sido levados por essa onda individualista nos conhecemos muito pouco. Somos bombardeados/as por milhões de informações e, mal chegamos a processar umas poucas, já chega outra avalanche. Com ela (a avalanche), uma pressão enorme pelo acerto. Como já disse alguém (que não lembro quem), nós não temos tido o tempo do erro.

"Bexiga caída" e Yoga

Uma passagem rápida pelo google me dá a informação de que 40% das mulheres acima de 60 anos têm prolapso genital ou, como é comumente conhecida, “bexiga caída” ou "bexiga baixa". Muitas delas realizam a cirurgia que conhecemos como "suspensão de bexiga". Fortalecer essa região é uma maneira eficaz de evitar este e outros problemas que, nas mulheres, compromete o tônus da musculatura responsável pela segurança dos órgãos internos. Realizar o “Mula bandha”, ou contração dos esfíncteres do ânus, da vagina e da uretra (sempre em articulação com a respiração), é indicado para ambos os sexos, pois não só contribui para fortalecer a genitália feminina, como também contribui no controle do orgasmo, na manutenção do equilíbrio dos hormônios e no metabolismo dos órgãos internos. O melhor de tudo é que você pode realizar Mula bandha em qualquer lugar e a qualquer hora. Que tal começar agora? Saudações!


Fotos do livro: Anatomia da Yoga de Leslie Kaminoff e Amy Matthews

Joelhos e posturas de quatro apoios

Um dos aspectos que mais atrapalham algumas pessoas na hora de realizar alguma Ásana (ou postura confortável) é fazer pressão sobre os joelhos na postura dos quatro apoios (mãos e joelhos apoiados do chão). Uma dica simples e preciosa que assimilei à minha própria prática é a seguinte: fazer algumas dobras (como está na imagem abaixo). Você ainda pode utilizar uma toalha ou utilizar uma almofadinha reta, caso não comprometam sua estabilidade. Se o seu joelho continuar reclamando, talvez seja a hora de suspender as ásanas que requerem o apoio do chão e investir no fortalecimento dos músculos da perna, quadril/lombar e região abdominal (farei outro post dando dicas de ásanas com esse fim). Em qualquer situação é necessário evitar hiperextensão dos joelhos, ou seja, não deixar a perna tão reta que o joelho fique sendo empurrado para trás. É isso! Nada de forçar. Deixa o ego de lado porque você não deve nada a ninguém. Só faça o que for possível ao seu corpo HOJE! E claro, respira e se observa. A gente cresce se observando. Saudações!