O Mahabharata e eu.
Sei de duas coisas:
- Sobre as escrituras sagradas nada sei, e respeito profundamente quem estuda e sabe.
- Sei de análise do discurso e o que significa cultura do estupro, e respeito o que sei.
Dito isto ouso escrever sobre algo que me incomodou demasiadamente ao entrar em contato pela primeira vez com o Mahabharata. Segundo a Wikipedia “O Maabárata é visto por alguns autores como o texto sagrado de maior importância no hinduísmo, e pode ser considerado um verdadeiro manual de psicologia-evolutiva de um ser humano. A obra discute o tri-varga ou as três metas da vida humana: kama ou desfrute sensorial, artha ou desenvolvimento econômico e dharma, a religiosidade que se resume a códigos de conduta moral e rituais. Além dessas metas, o Maabárata trata de moksha, ou a liberação do ciclo de tri-varga e a saída do samsara, ou ciclo de nascimentos e mortes. Em outras palavras, é uma obra que visa ao conhecimento da natureza do "eu" e à sua relação eterna com toda a criação e aquilo que transcende a ela”.
A primeira vez que entrei em contato com o Mahabharata não o li. Ele me foi contado e a um grupo de pessoas ao modo indiano, com foco na entonação da voz e uso de gestos corporais e faciais. Esses detalhes sei, fazem toda a diferença no sentido de um discurso, e até mais que o texto escrito, me provocaram sensações tão ruins que paralisei ao ouvir a narrativa de uma das primeiras “cenas” do Mahabharata, cuja autoria é atribuída a Krishna Dvapayana Vyasa, o grande sábio.
Eu não vou me estender muito, até porque pouco entendi dessa história que, em termos de genealogia, deixa Cem anos de Solidão, de Gabriel Garcia Marquez, no chinelo. Eu quero expor um angústia, uma tristeza, uma raiva, uma decepção, tudo ao mesmo tempo, ao ouvir risos provocados pela narrativa do estupro de duas mulheres vítimas de Vyasa, o grande sábio, e narrador do Mahabharata. É forte a palavra que estou usando – estupro? Sim, é forte, tão forte quanto a história de duas irmãs que deveriam estar disponíveis sexualmente ao grande sábio Vyasa para que, nelas, ele fizesse “O” representante de uma dinastia que ameaçava ser extinta. “O” representante no masculino sim, pois todos os governantes, guerreiros, sábios, são homens, fortes, viris, SEMPRE. Às mulheres cabe o velho papel de mulheres belas, delicadas, cheirosas, divinas e, obviamente, reprodutoras. SEMPRE. Conta a história que Vyasa tinha aspecto assustador, que seus cabelos e barbas eram desgrenhados e suas unhas enormes, e que Ambika, a primeira irmã fechou os olhos durante a relação sexual e, por isso, o filho nasceu cego. Sabendo da experiência horrenda da irmã, Ambalika, a segunda, estava muito assustada e o filho nasceu pálido e com saúde frágil.
Certamente, segundo estudiosos/as, o Mahabharata lança mão de imagens arquetípicas universais (o que ao meu ver pode ser questionável como qualquer outra justificativa em torno de qualquer obra considerada sagrada), a minha questão é que, apesar da alusão ao princípio de universalidade que os arquétipos encarnam, e considerando inclusive as especificidades regionais e históricas, parece-me inadmissível que a história das irmãs seja contada de modo a provocar risos, principalmente num meio que se propõe transformar as velhas formas do viver (parafraseando Gil) pelo caminho do Yoga. Se não é possível mudar o que está escrito, pelo menos que se conte de outro modo. É preciso não se distrair também dessa cultura que naturaliza a violência contra as mulheres e principalmente o estupro. É preciso não se distrair.
Sei de duas coisas:
- Sobre as escrituras sagradas nada sei, e respeito profundamente quem estuda e sabe.
- Sei de análise do discurso e o que significa cultura do estupro, e respeito o que sei.
Dito isto ouso escrever sobre algo que me incomodou demasiadamente ao entrar em contato pela primeira vez com o Mahabharata. Segundo a Wikipedia “O Maabárata é visto por alguns autores como o texto sagrado de maior importância no hinduísmo, e pode ser considerado um verdadeiro manual de psicologia-evolutiva de um ser humano. A obra discute o tri-varga ou as três metas da vida humana: kama ou desfrute sensorial, artha ou desenvolvimento econômico e dharma, a religiosidade que se resume a códigos de conduta moral e rituais. Além dessas metas, o Maabárata trata de moksha, ou a liberação do ciclo de tri-varga e a saída do samsara, ou ciclo de nascimentos e mortes. Em outras palavras, é uma obra que visa ao conhecimento da natureza do "eu" e à sua relação eterna com toda a criação e aquilo que transcende a ela”.
A primeira vez que entrei em contato com o Mahabharata não o li. Ele me foi contado e a um grupo de pessoas ao modo indiano, com foco na entonação da voz e uso de gestos corporais e faciais. Esses detalhes sei, fazem toda a diferença no sentido de um discurso, e até mais que o texto escrito, me provocaram sensações tão ruins que paralisei ao ouvir a narrativa de uma das primeiras “cenas” do Mahabharata, cuja autoria é atribuída a Krishna Dvapayana Vyasa, o grande sábio.
Eu não vou me estender muito, até porque pouco entendi dessa história que, em termos de genealogia, deixa Cem anos de Solidão, de Gabriel Garcia Marquez, no chinelo. Eu quero expor um angústia, uma tristeza, uma raiva, uma decepção, tudo ao mesmo tempo, ao ouvir risos provocados pela narrativa do estupro de duas mulheres vítimas de Vyasa, o grande sábio, e narrador do Mahabharata. É forte a palavra que estou usando – estupro? Sim, é forte, tão forte quanto a história de duas irmãs que deveriam estar disponíveis sexualmente ao grande sábio Vyasa para que, nelas, ele fizesse “O” representante de uma dinastia que ameaçava ser extinta. “O” representante no masculino sim, pois todos os governantes, guerreiros, sábios, são homens, fortes, viris, SEMPRE. Às mulheres cabe o velho papel de mulheres belas, delicadas, cheirosas, divinas e, obviamente, reprodutoras. SEMPRE. Conta a história que Vyasa tinha aspecto assustador, que seus cabelos e barbas eram desgrenhados e suas unhas enormes, e que Ambika, a primeira irmã fechou os olhos durante a relação sexual e, por isso, o filho nasceu cego. Sabendo da experiência horrenda da irmã, Ambalika, a segunda, estava muito assustada e o filho nasceu pálido e com saúde frágil.
Certamente, segundo estudiosos/as, o Mahabharata lança mão de imagens arquetípicas universais (o que ao meu ver pode ser questionável como qualquer outra justificativa em torno de qualquer obra considerada sagrada), a minha questão é que, apesar da alusão ao princípio de universalidade que os arquétipos encarnam, e considerando inclusive as especificidades regionais e históricas, parece-me inadmissível que a história das irmãs seja contada de modo a provocar risos, principalmente num meio que se propõe transformar as velhas formas do viver (parafraseando Gil) pelo caminho do Yoga. Se não é possível mudar o que está escrito, pelo menos que se conte de outro modo. É preciso não se distrair também dessa cultura que naturaliza a violência contra as mulheres e principalmente o estupro. É preciso não se distrair.
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