terça-feira, 15 de novembro de 2016

Dança e técnicas aplicadas à saúde

Os escritos a seguir resultam dos estudos relativos ao Módulo Dança e Técnicas aplicadas à saúde (Educação Somática) . 
Deveria ter uma linguagem acadêmica, com direito a citações e regras da ABNT, mas o meu momento é poesia. Tenho respeitado o meu momento.








Das somas de tanto
fui gerada
e
por agora existo.
 Adiciono-me,
 multiplico-me,
 dividido-me.
Somo.  
Retiro-me do ontem e do amanhã
para o agora
em alma e corpo
Estou.
Soul e Soma,
Sou.

08/11/2016

Do contato com a dança aprendi a me sentir à vontade com minhas possibilidades, gestos, quebras, circularidades. Aprendi a acompanhar o giro do olhar pelas mãos, e entendi os riscos, traços e rabiscos dos meus passos seguros ou cambaleantes pelo solo, com as texturas, cores e sabores da minha pele.
A dança é um sonho que torno realidade a cada movimento que meu corpo ensaia, a cada tridimensionalidade que meu horizonte espreita, a cada conhecimento que meus poros absorvem ou expurgam, por cima, baixo, dentro, fora, tórax – cabeça – costela, pelve-cabeça, cabeça-tórax, externo-interno.
Meu corpo, matéria prima de poesia. Soma.
Caminho pelo espaço que é meu – cinesfera - lugar dos meus ruídos. Meus. Estes por dentro do espaço que também é do outro – global. Perco-me e alí me encontro. Nada sou além de mim em minha composição corpórea, biológica, sensório-motora e isso é estar plena. Esse nada é tudo.
Transgrido-me pela variação dos meus circuitos, escolho entre diferentes caminhos aquele que me parece o mais apropriado, caminho pelos novos conceitos que adentram meus sentidos. Minhas experiências. Minhas fontes de conhecimento.
Verticalização, horizontalização. Sento, deito, em pé caminho, foco o outro, o outro me foca. Sou afetada. Crio-me e recrio-me, reinventando sistemas autopoiéticos. Sou a ameba da enação. Carrego em mim a memória do que sou. Minha saliva, minhas vivências, minhas relações, minhas práticas, meus automatismos, meus não-sei-o-quê.
Alexander – Mathias e Gerdha, Feldenkrais, Vianna, Thomas Hanna, Sylvie Fortin, amebas contorcidas em torno self. Dedos dos pés, couro cabeludo, pele, temperaturas, marcas, cicatrizes, ossos, calos, nervos, peso, volume. Tônus. Subversão do mecanicismo, conexões corpo, cérebro, ambiente – sinestesia. Na parte do meu corpo que toco há política, na parte do corpo que não me toca também.
Em mim, sozinha ou com o outros, cartografias de afetos desenhadas em oposição ao ethos moderno do desamor – o não toque, o não saber, a desapropriação, despropriocepção. Na oposição, escuta interna, micromovimentos, observação, intuição, ética transbordada pela potência dos afetos: “quanto um corpo pode ser afetado?”
Afeto-me pelas entranhas em contato com a criação que fiz de mim – pulmões como asas! – “Ah asas, por favor, voem!” , corpo no chão como semente: “Ah semente, por favor, germine!”. Não por favor atravesso-me por vetores. Aceito-os. Descubro-os como soma. Juntos. Corpo. Usufruo: metatarso, calcâneo, púbis, sacro, escápulas, cotovelos, metacarpo. O que dizes de mim sétima vértebra cervical?
Meu corpo fala de mim. Não. Ele se diz de si como quem pula sobre a própria sombra. No pulo: a queda. O chão que acolhe. Momento do reconhecimento das fontes de apoio do corpo no chão e no espaço. Espaço da dor, mas também da cura.
Cura.

Soma. Soul. 

terça-feira, 8 de novembro de 2016

A purificação dos olhos – Trãtaka ou Tratak

Yoga é um mundo. Um infinito. Entre as tantas coisas que existem em Yoga estão as purificações ou Satkarmas (as seis ações purificadoras): dhauti (purificação do trato digestivo), vasti (lavagem intestinal com água salgada), neti (com um pano ou com água), Trãtaka (purificação dos olhos com exercícios visuais), nauli (auto-massagem abdominal), kapalabhati (limpeza das vias respiratórias).
Uma das minhas “descobertas” mais espetaculares em relação ao Yoga foi perceber que eu tinha muitas mais partes em meu corpo do que eu mesma supunha e, mais que isso, que para todas elas existia uma técnica ou orientação específica por meio do Yoga. Do material para o sutil é o caminho indicado, e no material estão também os nossos olhos e pelos caminhos dos olhos, os músculos, a concentração, o olhar interno.
Hoje, bem cedinho, exercitamos o Trataka (como na imagem), e o fizemos pela fixação do olhar a partir de um objeto, a vela (um objeto imóvel). 



Esta foi a nossa escolha hoje, mas Trataka pode acontecer tanto a partir de um objeto ou ponto imóvel, tal como entre as sobrancelhas ou ponta do nariz, quanto de um objeto ou ponto que se desloca como, por exemplo, um polegar que dança lentamente enquanto os olhos o acompanham (como está na imagem a seguir retirada do livro Yoga para nervosos). 




Há ainda, a possibilidade fixar o olhar sobre uma estrela ou sobre a lua, o que me parece muito prazeroso e até poético.
A partir desse exercício caminhamos em busca do fortalecimento dos olhos, do estímulo às glândulas lacrimais e ao cérebro através dos nervos ópticos, e do desenvolvimento da concentração. Há ainda entre seus efeitos a diminuição da agitação e o combate ao estresse e a insônia.  
Para descansar os olhos ao fim dos exercícios é possível tanto massagear os supercílios com os dedos indicador e polegar, quanto aquecer os olhos com a energia gerada pela fricção das palmas das mãos que deverão se assentar sobre os olhos abertos.
É sempre bom realizar algum exercício ocular ao fim do dia, ou mesmo após horas de trabalho em frente ao computador.
Espero que tenha sido um artigo interessante. Bom dia e saudações.

Referências:

FEUERSTEIN, Georg. Enciclopédia de Yoga da Pensamento. São Paulo, Pensamento, 2005.
KUPFER, P. Formação em Yoga - Módulo 1, 2015.
HERÓGENES, J. Yoga para nervosos. Rio de Janeiro: Nova Era, 2005.
PACKER, M. L. G. A senda do Yoga – Filosofia, Prática e Terapêutica. Blumenal: Nova Letra, 2009.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

O Mahabharata e eu

O Mahabharata e eu.

Sei de duas coisas:
- Sobre as escrituras sagradas nada sei, e respeito profundamente quem estuda e sabe.
- Sei de análise do discurso e o que significa cultura do estupro, e respeito o que sei.

Dito isto ouso escrever sobre algo que me incomodou demasiadamente ao entrar em contato pela primeira vez com o Mahabharata. Segundo a Wikipedia “O Maabárata é visto por alguns autores como o texto sagrado de maior importância no hinduísmo, e pode ser considerado um verdadeiro manual de psicologia-evolutiva de um ser humano. A obra discute o tri-varga ou as três metas da vida humana: kama ou desfrute sensorial, artha ou desenvolvimento econômico e dharma, a religiosidade que se resume a códigos de conduta moral e rituais. Além dessas metas, o Maabárata trata de moksha, ou a liberação do ciclo de tri-varga e a saída do samsara, ou ciclo de nascimentos e mortes. Em outras palavras, é uma obra que visa ao conhecimento da natureza do "eu" e à sua relação eterna com toda a criação e aquilo que transcende a ela”.
A primeira vez que entrei em contato com o Mahabharata não o li. Ele me foi contado e a um grupo de pessoas ao modo indiano, com foco na entonação da voz e uso de gestos corporais e faciais. Esses detalhes sei, fazem toda a diferença no sentido de um discurso, e até mais que o texto escrito, me provocaram sensações tão ruins que paralisei ao ouvir a narrativa de uma das primeiras “cenas” do Mahabharata, cuja autoria é atribuída a Krishna Dvapayana Vyasa, o grande sábio.
Eu não vou me estender muito, até porque pouco entendi dessa história que, em termos de genealogia, deixa Cem anos de Solidão, de Gabriel Garcia Marquez, no chinelo. Eu quero expor um angústia, uma tristeza, uma raiva, uma decepção, tudo ao mesmo tempo, ao ouvir risos provocados pela narrativa do estupro de duas mulheres vítimas de Vyasa, o grande sábio, e narrador do Mahabharata. É forte a palavra que estou usando – estupro? Sim, é forte, tão forte quanto a história de duas irmãs que deveriam estar disponíveis sexualmente ao grande sábio Vyasa para que, nelas, ele fizesse “O” representante de uma dinastia que ameaçava ser extinta. “O” representante no masculino sim, pois todos os governantes, guerreiros, sábios, são homens, fortes, viris, SEMPRE. Às mulheres cabe o velho papel de mulheres belas, delicadas, cheirosas, divinas e, obviamente, reprodutoras. SEMPRE. Conta a história que Vyasa tinha aspecto assustador, que seus cabelos e barbas eram desgrenhados e suas unhas enormes, e que Ambika, a primeira irmã fechou os olhos durante a relação sexual e, por isso, o filho nasceu cego. Sabendo da experiência horrenda da irmã, Ambalika, a segunda, estava muito assustada e o filho nasceu pálido e com saúde frágil. 

Certamente, segundo estudiosos/as, o Mahabharata lança mão de imagens arquetípicas universais (o que ao meu ver pode ser questionável como qualquer outra justificativa em torno de qualquer obra considerada sagrada), a minha questão é que, apesar da alusão ao princípio de universalidade que os arquétipos encarnam, e considerando inclusive as especificidades regionais e históricas, parece-me inadmissível que a história das irmãs seja contada de modo a provocar risos, principalmente num meio que se propõe transformar as velhas formas do viver (parafraseando Gil) pelo caminho do Yoga. Se não é possível mudar o que está escrito, pelo menos que se conte de outro modo. É preciso não se distrair também dessa cultura que naturaliza a violência contra as mulheres e principalmente o estupro. É preciso não se distrair.